O que de fato provoca a Inflação?

O que de fato provoca a Inflação?

A inflação, como todos sabem, é um problema muito sério. Ela silenciosamente vai corroendo o poder de compra dos salários, na medida em que os preços aumentam e o salário não consegue acompanhá-la, provocando uma carestia generalizada do custo de vida, penalizando duramente a vida de muitos trabalhadores brasileiros. Exatamente como acontece agora: o preço dos alimentos, do transporte, do aluguel, enfim, tudo ou quase tudo sobe mais do que o salário.

Costumeiramente, na grande mídia, no discurso do empresariado e na justificação das políticas econômicas dos governantes, existe um velho argumento de que a inflação seria resultado de um “alto gasto púbico” e de “exagerados reajustes de salários”, pois isso faria com que a demanda crescesse muito diante da capacidade da economia de produzir e ofertar, provocando um aumento generalizado de preços. Ou seja, o raciocínio é simples e ao mesmo tempo falso em linhas gerais: caso os governos gastem muito com escolas, hospitais e serviços públicos ou os trabalhadores ganhem bons reajustes, o ritmo do consumo aumentaria muito, propiciando a escassez e a alta do preço das mercadorias.

O único remédio possível, nessa lógica, para combater a inflação, seria bem amargo para a imensa maioria da sociedade: apertar o cinto com arrocho salarial e corte de gastos públicos.

Porém, olhando mais de perto a explicação e a política que é receitada para resolver o problema da inflação, vemos que ela não tem o mínimo de sustentação na realidade, contribuindo, na verdade, para excluir as classes trabalhadoras dos benefícios e ganhos do crescimento econômico.

Por que é Falsa a Explicação Dada para as Causas da Inflação?

Em primeiro lugar, vejamos a explicação que dão sobre a relação entre inflação, gastos públicos e salários. Segundo essa explicação, seria impossível ter diminuição do PIB (Produto Interno Bruto, que representa a somas da riqueza do país) e alta da inflação ao mesmo tempo, pois se o desemprego cresce e a arrecadação e gastos do governo caem, com as empresas tendo grande dificuldade para vender seus produtos, os preços deveriam cair ou estagnar, e não subir. Porém, a queda na economia e a alta dos preços já andaram juntas várias vezes na história, inclusive na história recente de nosso país, sendo nomeada pelos economistas de estagflação.

Outro problema nessa explicação é que ela se choca com a própria realidade atual de crescimento econômico e de alta da inflação no país, que aparentemente poderia confirmar a explicação atualmente adotada. Segundo uma grande entidade patronal, a CNI (Confederação Nacional da Indústria), a indústria brasileira hoje está operando num bom nível, e mesmo assim utiliza 82,8% de sua capacidade instalada. Ou seja, a indústria ainda tem boa capacidade potencial para ofertar em relação ao que se oferta hoje, e mesmo assim os preços sobem, portanto, dizer que o problema da inflação corresponde a um descompasso da oferta e da demanda é estar em contradição com a própria realidade da economia brasileira, que opera com capacidade ociosa de quase um quinto na sua indústria.

O que está por trás das Políticas de Combate a Inflação?

Em segundo lugar, para avançar no entendimento sobre a inflação, gastos públicos e salários, precisamos refletir sobre a política que receitam para combater a inflação.

A contradição da receita recomendada contra a inflação começa no fato de que o “aperto de cintos” na economia para “controlar a inflação” não é para todos.

A economia brasileira em 2010 passou por um momento excepcional fechando o ano com 7,5% de crescimento, sendo uma das que mais cresceram no mundo.

Os empresários e banqueiros aproveitaram como ninguém esse momento. As 500 maiores empresas do Brasil, por exemplo, faturaram mais de 1,2 trilhão de dólares e lucraram mais de 80 bilhões de dólares de acordo com dados do estudo anual da Revista EXAME, sendo este um lucro recorde desde que a revista começou a produzir esse estudo em 1974.

O mesmo não se viu com os trabalhadores. Não se têm notícia de uma categoria que em 2010, ou mesmo durante 2011, tenha obtido um ganho real de 7,5% nas negociações coletivas, fazendo-se refletir nos salários ao menos os ganhos médios de produtividade na economia representados pelo crescimento do PIB, já que a reposição pela inflação apenas repõem a própria inflação. Inclusive, o reajuste em 2012 do salário mínimo, incorporando o crescimento da economia em 2010, não garante que as classes trabalhadoras incorporem os ganhos de produtividade média obtida pela economia brasileira, pois sequer existe retroatividade em relação ao ano de 2011 e vai demorar mais um ano para se incorporar os ganhos de produtividade deste ano, além do próprio reajuste não atingir o conjunto dos trabalhadores.

Quanto aos gastos públicos, alertamos também que os cortes nos orçamentos não são para todos. Enquanto os trabalhadores amargam com cortes em serviços públicos essenciais, a patronal ganha muito incentivo dos governos.

O Governo Federal, com amplo apoio do empresariado, acaba de lançar o “Plano Brasil Maior”, que desonera os empresários da área da produção de software (entre outros setores empresariais) até o final de 2014 de pagarem sua parte de 20% sobre a folha de pagamentos ao INSS, em troca de um imposto sobre o faturamento da ordem de 2,5%. Isso vai provocar perdas de receitas de R$ 25 bilhões na Seguridade Social apenas até o final de 2012, segundo o próprio o Governo, que vão ser cobertos com dinheiro público. Também garante para os empresários um pacotão de R$ 500 bi com juros subsidiados durante o período 2011-2014, e, ainda por cima, reclassifica investimentos privados em desenvolvimento de software para garantir mais benefícios fiscais aos empresários, com custos aos cofres públicos ainda não calculados.

Enquanto isso, no começo do ano, a educação teve um corte de R$ 3,1 bi, o ministério das cidades (responsável, entre outras coisas, pelo combate aos efeitos das chuvas, que tanto desastres causam todo ano) teve um corte de R$ 8,5 bi, a saúde teve um corte de R$ 0,6 bi, o desenvolvimento agrário (que cuida da reforma agrária) teve um corte de R$ 0,9 bi e assim por diante. Enfim, o corte de verbas alcança perigosamente e com mais intensidade as áreas sociais responsáveis por fornecer serviços ao conjunto população e que beneficiam mais sensivelmente os setores mais empobrecidos da sociedade.


Por que de fato existe inflação?

Assim, a inflação está muito longe de representar um sintoma de desajuste entre a demanda e a oferta na economia brasileira. Hoje a economia brasileira produz riquezas muito superiores à capacidade do povo brasileiro de consumi-las, tanto é verdade que a exportação é uma das principais atividades da economia brasileira.

O que a inflação essencialmente representa é um conflito distributivo na nossa sociedade, para ser mais exato, entre lucro e salários. Quando o patronato sobe seus preços sem que o salário o acompanhe ou quando se nega a repassar os ganhos de produtividade realizado pelos trabalhadores, ele aumenta seu lucro em detrimento do salário. Quando o Estado sacrifica as áreas sociais com cortes de verbas ele atinge mais diretamente as classes trabalhadoras, que notadamente são mais dependentes de serviços e políticas públicas, enquanto isso aumenta o dinheiro que destina aos empresários.