Nova Reforma da Previdência: trabalhadores continuarão pagando a conta
Escrito por Ivan Valente, Quarta, 31 de Agosto de 2011
Ocupamos a tribuna nesta tarde para dizer que basta surgir a crise econômica e a primeira palavra de ordem do governo e da grande mídia passa a ser: enxugar custos e fazer a Reforma da Previdência. O Brasil talvez seja um dos únicos países do mundo em que se faz Reforma da Previdência de 4 em 4 anos. O governo Fernando Henrique fez reforma da Previdência, o governo Lula fez reforma da Previdência e agora o governo Dilma aparece com Reforma da Previdência do setor privado e do setor público também.
Na Europa está se estendendo o tempo de contribuição. Agora, com a crise na Grécia, em Portugal, na Irlanda, na Espanha, na Itália, a primeira coisa que se fala é no aumento do tempo de contribuição dos trabalhadores de 60 para 62, para 65, para 67 e vai a 70. Quem causa crise são os bancos, mas quem paga a conta são os trabalhadores.
Aqui no Brasil, uma nova Reforma da Previdência está em curso, em debate nos gabinetes do Planalto. E, mais uma vez, como sempre ocorre quando o governo decide mudar as regras do jogo, quem pagará a conta serão os trabalhadores. Como já noticiado pela imprensa, em declarações do ministro Garibaldi Alves Filho, da Previdência Social, o governo pretende enviar até setembro para o Congresso um projeto de lei alterando os critérios e cálculos para aposentadoria no país, exigindo mais tempo de contribuição da classe trabalhadora. Fala-se em extinção do fator previdenciário, mas não para acabar com este mecanismo perverso, aprovado no governo FHC e mantido por Lula, que retira em média 30% das aposentadorias, mas para substituí-lo por medidas mais drásticas no que se refere ao adiamento para o recebimento do benefício.
A pior proposta em estudo é a que pretende aumentar a idade mínima para o trabalhador se aposentar, e que ignora as enormes diferenças que existem no país entre ricos e pobres, que necessariamente começam a trabalhar mais cedo. Homens só teriam direito à aposentadoria após os 65 anos e as mulheres, após os 60.
Outra “idéia” é aumentar em sete anos o tempo de contribuição para se requerer a aposentadoria. Assim, em vez de contribuir com 35 anos de serviço, os homens teriam que trabalhar no mínimo 42; e as mulheres, em vez de 30, 37 anos. Os setores mais retrógrados defendem, inclusive, que se acabe com a diferenciação entre os gêneros, já que, para eles, a jornada dupla – ou até tripla – das mulheres é coisa que não mais existe…
Para supostamente combater tamanha barbaridade, a maioria das centrais sindicais colocou na mesa de negociação um remendo, ao qual o governo se agarrou, e que agora pode se tornar o grande tiro na culatra nos trabalhadores. A proposta é combinar tempo de contribuição com idade do trabalhador. O chamado “fator 85/95″, inventado pelas centrais, garantiria a aposentadoria integral apenas quando a soma do tempo de contribuição e da idade for igual a 85 para as mulheres e a 95 para os homens. O governo Dilma gostou da idéia, mas está pensando na fórmula 95/105, empurrando mais dez anos de serviço para o trabalhador poder se aposentar.
O discurso do governo para defender o fator 95/105 é o de sempre: “a conta não fecha”. Ora, essa continua sendo uma falácia da história brasileira. Em recente audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família desta Casa, promovida para discutir a situação da Previdência no país, o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Álvaro Solon França, afirmou novamente que o déficit da Previdência é um mito. Pelo contrário, em 2010 houve um superávit nas contas da seguridade social de R$ 58 bilhões!
Dizem que a conta não fecha porque insistem em fazer os cálculos com base apenas na contribuição sobre a folha de pagamento dos trabalhadores e dos empresários, quando as receitas da Previdência devem ser analisadas no conjunto da seguridade social, que engloba, além da Previdência, as áreas da saúde e da assistência social.
Outro fator para as contas da Previdência aparecerem deficitárias, também ressaltado pela Anfip, é a retirada de dinheiro do setor para o pagamento de juros da dívida pública. Com a Desvinculação de Receitas da União (DRU), para alegrar os bolsos dos banqueiros, já foram retirados R$ 48 bilhões da Seguridade Social. É um crime contra os trabalhadores! Na mesma audiência pública, o secretário de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência, Leonardo Rolim, disse que o governo não pode abrir mão do fator previdenciário sem colocar nada no lugar porque até hoje a medida já “economizou” R$ 31 bilhões para a Previdência.
Somente em 2011, seriam R$ 9 bilhões “economizados”, ou seja, retirados dos trabalhadores. “Não dá pra ficar sem este recurso”, disse Rolim. Não dá, na verdade, porque a prioridade do governo federal é pagar religiosamente, sem ter feito a auditoria que a Constituição Federal determina, juros e amortizações da dívida pública. Em 2010 foram mais de R$ 640 bilhões, incluindo o assalto aos cofres da previdência. É por isso que os R$ 9 bilhões do fator previdenciário precisam continuar saindo do bolso dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras.
Segundo o governo, com o envelhecimento e a mudança do perfil etário da população nas próximas décadas, as despesas do Regime Geral da Previdência, que hoje correspondem a 6,9% do PIB, chegarão a 12,5% em 2050. Mas em vez de pensar em medidas que favoreçam a formalização de empregos, e assim aumentem as receitas da Previdência, e em mudanças estruturais na política econômica, o governo federal, mais uma vez, escolhe o caminho mais fácil e ataca dos direitos dos trabalhadores.
É a mesma lógica de ajuste fiscal que esteve por trás do veto da presidenta Dilma ao aumento real que seria concedido aos aposentados em 2012 pela LDO. Cerca de 10 milhões de aposentados e pensionistas que ganham acima do piso e que não têm ganho real nos benefícios desde 1997 seriam beneficiados. Mas o Planalto preferiu se “precaver” e, mesmo com recursos em caixa, vetou “por antecipação” dos gastos. Foi o mesmo que aconteceu no início do ano, com o corte de R$ 50 bilhões para despesas sociais no orçamento, para depois dar R$ 150 bilhões para os banqueiros e empresários enfrentarem a crise que criaram. Ou com a Medida Provisória 540, aprovada este mês, que desonera a folha de diversos setores, que não pagarão mais o INSS. Ou seja, menos recursos para a Previdência.
O governo também está se movimentando para aprovar na Câmara o Projeto de Lei 1992/2007, que iguala a previdência dos setores público e privado, alterando substancialmente a Previdência Social. O PL, enviado por Lula ao Congresso há quatro anos, foi abraçado pelo ministro Garibaldi e já recebeu parecer favorável do presidente da Comissão de Trabalho, deputado Silvio Costa (PTB-PE). Está entre as prioridades da Comissão para este semestre legislativo.
O projeto estende ao funcionalismo federal o teto para a contribuição e para pagamento de aposentadorias e pensões válido para os trabalhadores da iniciativa privada, que hoje é de R$ 3.691,74. Para ter uma aposentadoria acima desse valor, o servidor deverá fazer uma contribuição complementar, em favor de um novo fundo de pensão, também criado pelo PL – a Fundação de Previdência Complementar do Serviço Público Federal (Funpresp). Ou seja, é a privatização da Previdência Social. Países como o Chile fizeram isso e os resultados foram desastrosos. É preciso considerar as diferenças entre o funcionalismo e o setor privado e compreender que uma aposentadoria digna é um estímulo para a qualificação do funcionalismo público brasileiro, que só tem benefícios a trazer à nossa população. Esta é uma obrigação do Estado, que não pode ser descartada em mais um flerte neoliberal deste governo.
Portanto, há um pacote de maldades que se anuncia no horizonte dos trabalhadores. Enquanto os movimentos populares se organizam para tentar recuperar direitos retirados, com a aprovação da PEC 555 – que acaba com a contribuição previdenciária dos inativos – e a PEC 270 – que dá integralidade e paridade aos aposentados por invalidez -, o governo já prepara um novo rol de ataques à classe trabalhadora. Tais medidas favorecem e estimulam diretamente a previdência privada, e a mídia, patrocinada com muito peso pelos bancos, propagandeia o tempo todo essa idéia de que a previdência está falida. É, portanto, um conluio em torno de interesses econômicos poderosíssimos.
O PSOL nasceu da luta contra a Reforma da Previdência implementada pelo governo Lula. Esta é uma questão central para o nosso partido. Por isso, nos somamos aos movimentos populares e sindicatos de todo o país que nesta quarta-feira realizam um grande ato da Jornada Nacional de Lutas aqui em Brasília, que tem entre as suas reivindicações a defesa da aposentadoria e da Previdência pública, a defesa do serviço público, da suspensão do pagamento da dívida pública e contra os cortes no orçamento federal.
Por dignidade aos aposentados e pensionistas! Pela valorização do funcionalismo público! Todo apoio à luta dos trabalhadores e nenhum direito a menos!
Ivan Valente é deputado federal pelo PSOL/SP.
Fonte: http://www.correiocidadania.