“Ou nos mexemos ou seremos a estrutura sindical que confirmará a precarização dos trabalhadores”
O Diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos), Clemente Ganz Lúcio, esteve em Florianópolis no dia 27 de outubro falando sobre a Contrarreforma Trabalhista, no auditório da Fecesc (Federação dos Trabalhadores no Comércio no estado de Santa Catarina). O evento, promovido pelo Dieese e Centrais Sindicais, reuniu sindicalistas e lideranças para discutir o projeto que entra em vigor no dia 11 de novembro para enquadrar o Brasil na “organização mundial do sistema capitalista”. “Desde 2008, foram feitas 642 mudanças trabalhistas em 110 países no mundo” afirmou Clemente. Todas tinham o objetivo de flexibilizar ao máximo os contratos, permitindo que as empresas possam contratar como quiser, pelo período que desejarem, com jornadas totalmente flexíveis, reduzindo o custo de trabalho”.
“Estamos vivendo um processo de desnacionalização só vivenciado por países que perderam guerras”, alertou Clemente. A transferência de estatais, anunciada por Temer, prevê a desestatização pesada dos serviços de Saúde, Educação e, na Previdência, o setor da Previdência Complementar está em disputa. Ele explicou que, além da transferência do setor público para o privado, também ocorre a transferência do capital privado nacional para o capital internacional, com a venda de empresas brasileiras para multinacionais. Ou seja, “a riqueza que o país reuniu está sendo relocada”. Para o Diretor técnico do Dieese “abrir mão da capacidade soberana de decidir os rumos de uma das maiores econômicas do planeta, é mais ou menos como autorizar a venda do coração do filho”.
Para quebrar o movimento sindical
Para um público muito atento, Clemente disse que, a partir de 11 de novembro, os Sindicatos poderão chamar assembleias para reduzir direitos, as únicas exceções serão as questões constitucionais, que são bem restritas. “O Acordo pode reduzir o que está na Convenção Coletiva, a Convenção pode reduzir o que está na Lei e, no limite, o indivíduo pode reduzir o que está no Acordo. Se o Sindicato não quiser negociar, uma comissão pode negociar ou até individualmente o trabalhador pode negociar”. Restringir extremamente o poder de negociação dos sindicatos é uma diretriz presente em todas as reformas trabalhistas realizados no mundo, afirmou.
Outra característica comum são os mecanismos que impedem a formação de passivos trabalhistas. “Quem assina uma rescisão dá quitação e não poderá questionar na Justiça do Trabalho. Se quiser questionar terá que pagar as custas judicias, a sucumbência e ter provas, se não tiver provas ainda será processado”.
A Reforma Trabalhista também vai limitar o poder de financiamento dos Sindicatos entre 1/3 e 2/3 da receita total, com o fim do Imposto Sindical a partir de janeiro de 2018. Clemente afirmou que, no caso brasileiro, a medida objetiva quebrar o movimento sindical.
O caos virá depois
As negociações coletivas, a partir de novembro, serão profundamente alteradas pela Reforma Trabalhista, mas os maiores prejuízos não serão sentidos imediatamente, afirmou o palestrante. O Diretor Técnico do Dieese alertou que as profundas modificações na organização do trabalho só serão sentidas em médio e longo prazo. “Em 10 anos teremos um novo mercado de trabalho no Brasil. É isso que precisa ser enfrentado”.
O sociólogo afirmou que no sistema financeiro, a minoria dos trabalhadores é bancário, e a mesma lógica se repete em outras categorias. “Deixamos expandir novas formas de trabalho e contratação a tal ponto que houve a desvinculação com a representação sindical, ou seja, a atual estrutura sindical já permite essa fragmentação e precarização do trabalho. E com isso nossa capacidade de enfrentamento com o capital foi reduzida a zero.”
Sem alterar o tom da voz, o Diretor técnico do Dieese, declarou: “Ou nos mexemos ou seremos a estrutura sindical que confirmará a precarização dos trabalhadores”. Ele citou o exemplo de prefeituras que estão contratando empresas de serviços educacionais, ao invés de contratar professores estatutários. “Os professores conquistaram, após anos de luta, um piso de R$ 2.000,00, mas o pregão da prefeitura propõe um piso de R$ 1.200,00. Logo estaremos criando um Sindicato dos trabalhadores em empresas prestadoras de serviços educacionais que fechará um acordo com piso de R$ 1.200,00. E um sindicalista afirmará que, se não houvessem criado o sindicato, o piso seria de R$ 1.000,00. Ou acordamos ou a estrutura sindical vai confirmar o que a reforma propõe.”
Estrutura destrutiva
Para o palestrante, a estrutura sindical destrói a capacidade de organização e enfrentamento no setor público e privado. “Somos capazes de nos dividir de forma infinita. Ou mudamos ou seremos dizimados, e daí pode ser que o sindicato que não muda acabe e os trabalhadores criem outro instrumento de luta”.
Clemente Ganz Lúcio acredita que é possível construir a unidade entre os trabalhadores, mas é mais difícil entre os dirigentes. “Podemos apontar vários impedimentos para que isso aconteça. Cada argumento é uma pedra na nossa sepultura. Temos que construir a nossa unidade política para unificar os trabalhadores. E a história mostra que construir uma identidade comum constrói a nossa unidade e a nossa força”. Ele citou a possibilidade de reorganizar as campanhas salariais criando uma identidade comum para enfrentar vários empregadores.
“No Dieese estamos nos reorganizando para ter mais força, para que o que sobrar do Dieese possa ajudar as entidades a reorganizar as campanhas salariais”. E destacou: “se a unidade for operada nas campanhas salariais porque não poderá depois ser levada para a estrutura sindical?”
Cultura de classe
Clemente sugeriu que o trabalho de organização de base seja repensado, com ações planejadas desde os bairros. “As cidades estão segregadas por classes sociais e os trabalhadores vivem mais ou menos próximos. Nos bairros existem estruturas sindicais que podem ser colocadas a serviço da cultura, esporte, e lazer dos trabalhadores. Não somente de uma categoria, mas de todos os trabalhadores, como os operários faziam há 200 anos. Eles se reuniam nessas estruturas para se encontrar, debater, estudar, dançar, cantar, fazer as músicas de protesto, jogar futebol, fazer churrasco e nesses encontros eles iam criando a identidade de classe”.
Outra sugestão apresentada pelo palestrante foi pactuar a transformação das comissões de trabalhadores em comissões sindicais. “Pela Lei não pode ser uma organização sindical, mas nós podemos combinar que será. O Brasil tem cerca de 24 mil empresas com mais de 200 trabalhadores. Se elegermos cinco em cada comissão, serão 150 mil novos dirigentes, que farão um novo sindicalismo, como nós fizemos há 30 anos”.
E “podemos combinar de parar tudo no movimento sindical por dois meses para eleger as 24 mil comissões. Na Alemanha é assim, toda sociedade acompanha esse processo de renovação. Essas comissões criarão mil problemas, assim como nós criamos quando chegamos no movimento sindical com nossos movimentos de oposição”, afirmou.
Estratégias de enfrentamento
As estruturas com Federações, Confederações e Sindicatos terão que ser repensadas de forma mais profunda, explicou o Diretor técnico do Dieese. Ele citou o exemplo dos trabalhadores alemães que, enfrentando essa agenda de reforma trabalhista, construíram um nível de agregação em que todos os trabalhadores da indústria vincularam-se ao mesmo Sindicato, com representação no local de trabalho, municipal, estadual e nacional, financiado pela mesma base, com ação unitária, representando todos os trabalhadores com um contrato coletivo nacional da indústria. Segundo Clemente é assim que a estrutura sindical pode se renovar para enfrentar o capital.
Clemente citou um exemplo de uso do patrimônio sindical para gerar recursos nesses tempos de queda de receita. “Sugiro um investimento em reorganização patrimonial: parte desse grande patrimônio do movimento deve ser usado pela estrutura, parte deve ser desalienado e parte pode ser usada para gerar receita. Porque a minha colônia de férias só pode ser usada pela minha categoria? Por que elas não podem estar integradas permitindo que todos os trabalhadores usem as colônias de férias de forma integrada, gerando um serviço cultural de alta qualidade, com baixo custo”.
Em tempos de penúria
Ele citou o exemplo do Dieese, que é um serviço cooperado mantido por um conjunto de entidades. Se uma entidade fosse manter um economista, o custo seria cinco vezes maior. “Da mesma forma, a gente poderia manter coletivamente outros serviços como assessoria jurídica e comunicação. Talvez assim, com os recursos que temos, poderíamos manter uma TV nacional e um jornal nacional para contrapor a mídia hegemônica. Clemente questionou os sindicalistas presentes no debate sobre a Contrarreforma Trabalhista: “Como vamos enfrentar tudo o que temos pela frente se nós não temos capacidade de concorrer com a mídia dominante, que diz todo dia que somos bandidos que, ao acabar com o imposto sindical, os congressistas estão libertando os trabalhadores dos Sindicatos, que são um mal para o trabalhador. A mídia está fazendo o jogo deles e porque nós não estamos fazendo o nosso, com a nossa estrutura?”. E concluiu, “pode ser que a penúria nos obrigue a ver que a cooperação é um grande instrumento para fazer com que os nossos instrumentos tenham força”.
O palestrante citou três níveis de intervenção, o primeiro seria o Judicial. “A orientação das Centrais Sindicais é que seja ajuizado na primeira instância, para fazer a disputa e criar a cultura da resistência”. O segundo nível de intervenção é no Congresso Nacional. “O Fórum Sindical dos Trabalhadores, Centrais e Sindicatos estão fazendo um abaixo-assinado pedindo a revogação desta lei. É importante manter os trabalhadores mobilizados para essa disputa, não podemos esperar milagres”. O terceiro nível de intervenção citado, é a disputa das centrais pela possibilidade de ter uma legislação específica de financiamento. E, segundo ele, o mais importante no curto prazo, é incluir nas negociações coletivas todos os mecanismos de proteção possíveis a essa lei.
Juntos e diferentes
“Deveríamos explicitar quais princípios, na nossa visão, modernizam as relações de trabalho. Somos contra a negociação, mas se a lei permite nós precisamos dizer qual modelo de negociação nós defendemos e colocar nas convenções coletivas”. Para o Diretor técnico do Dieese, é necessário usar essa mudança para fazer a nossa regra. “Algumas categorias já estão fechando acordos em que nenhuma homologação será feita sem o Sindicato. É arriscado, mas é melhor do que o trabalhador ficar desprotegido”.
Para o sociólogo, o fato de pensarmos diferente nos fez desenvolver uma capacidade extraordinária de brigar. “Somos especialistas em produzir guerras, com o objetivo de matar o outro. Os outros animais não matam sem motivo, nós sim. E a história mostra que, quando os trabalhadores descobrem que a briga os divide, eles começam a compreender que a única possibilidade de desenvolver a luta é brigar menos”. Ou seja, a luta une.
Clemente defendeu que as diferenças sejam tratadas com tolerância e debate democrático, disputadas no debate e na formulação de ideias. “Somos obrigados a ter um acordo de convivência sindical e construir um outro campo de entendimento sobre os princípios que devem reger a nossa luta. Se não houver acordo entre nós, a nossa capacidade de brigar destruirá o movimento. Esta lei veio para destruir o movimento sindical”. E sentenciou: “ou temos a capacidade de gerar um novo sindicato que vai enfrentar no longo prazo todas essas mudanças ou teremos muita dificuldade para resistir e nenhuma capacidade para superar”.
Brigar menos e lutar mais
Clemente Gunz defendeu que as entidades criem um ambiente favorável a incorporação dos jovens. “A experiência internacional mostra que essas mudanças precarizam de maneira estrutural e afastam os jovens dos sindicatos. É urgente construir mecanismos que os tragam para a identidade de classe”. Ele explicou que no Brasil 1/3 do mercado de trabalho já é informal, com nenhuma participação sindical. E a reforma amplia esse contingente, principalmente entre os jovens que vão entrar num mercado de trabalho sem sindicato e sem identidade de classe. “Não será com brigas e práticas antigas de fragmentação que vamos superar e enfrentar o que temos pela frente”, concluiu.
Por: Rosângela Bion de Assis, do Portal Desacato.